Aquela tarde de Verão estava mais quente que o habitual. Abdul caminhava lentamente pelas ruelas estreitas da cidade enquanto observava o chão dançando com as ondas de calor. Ele era um rapaz de 8 anos que apenas queria viver em paz sem ter que viver sob a pressão da morte. Ultimamente, tinha-se tornado impossível andar com segurança, mas nessa tarde o ambiente estava calmo demais.
Enquanto caminhava, sentiu-se observado, sem saber por quem ou pelo quê, mas algo lhe perturbava. À medida que ficava mais desconfiado e a sua insegurança aumentava, começou a andar mais depressa. Num ápice, vê-se rodeado por um bando de matulões, que o enchem de pontapés e murros ao mesmo tempo que lhe chamam de todos os nomes, gritando-lhe que não pertence ali. Quando acabam a sua “tarefa”, Abdul, não tem forças para se levantar e fica assim estendido no chão poeirento... ninguém passa naquela ruela abandonada, ninguém sente nada, ninguém vem ver o que se passou... excepto um jovem de 16 anos, Ismael, que observara tudo atrás de uma oliveira. Quando assistiu aos murros e pontapés no pequeno Abdul, sentiu um aperto no estômago e uma aflição que quase explodiu quando o bando se foi embora. Sentiu uma enorme raiva pelos seus próprios primos... Pensou em como podiam eles ser tão impiedosos e cobardes, a ponto de baterem numa criança indefesa em nome da sua religião e da defesa do seu território, que ao fim ao cabo era tão deles como de Abdul. Seria o mundo assim tão cruel? Seriam aquelas duas diferenças de religião e costumes assim tão grandes ao ponto de desencadearem violência, mortes e ódio? Seriam as crianças culpadas da fúria dos adultos? Todos estes pensamentos cruzavam-se na cabeça de Ismael, até que decidiu deixar de pensar e avançou. Com as pernas trémulas caminhou em direcção a Abdul, que estava envolto em sangue. Ajoelhou-se diante do menino e pegou na sua mão, a mão que nada pôde fazer para se defender. Ismael verificou primeiro a pulsação de Abdul... ainda se podiam sentir batidas muito fracas do seu coração que lutava pela sobrevivência. Abdul, que sentiu que lhe tinham pegado na mão, abriu os olhos inchados e ensanguentados e deparou-se com um rapaz forte de cabelo escuro e uns olhos castanhos claros que choravam. “Porque chora ele?”, pensava Abdul, “Será que também apanhou? Ou será um israelita a chorar de felicidade?”. Embora muito novo, Abdul sempre se apercebeu desse ódio entre os dois povos, era evidente demais para não notar.
Ismael não sabia o que dizer ou que fazer mas num relance murmurou umas palavras que acompanharam as suas lágrimas: ”Meu amigo, não sei porque choro enquanto devia sorrir, e porque estás a sofrer, enquanto devias viver... “ À última palavra proferida, Abdul olha lentamente para Ismael, ergue os olhos para o céu e solta um último suspiro. Nada mais resta naquela ruela poeirenta e deserta, a não ser um jovem segurando a mão de outro já falecido, com a esperança de que algum dia tudo mude, nem que para isso tenha que lutar contra tudo e todos para alcançar a paz... a paz que Abdul já não viverá.
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